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Rafa Nunes

Engasgado

Eu cresci ouvindo que gente como eu não tinha vez E só quando sai da escola eu aprendi que descendo de reis Você me julga possuidor de arrogância Sendo que não tem a mínima decência Desconsidera minha militância e não vê que pretos se casarem com pretas é um ato de resistência Orientais se unem, judeus se unem E quando quero me casar com a mulher que perpetua minha cultura vocês discutem? Usam minha herança de chaveiro, minha cultura de brinquedo Mas tomem cuidado que posso querer usar teu olho azul de amuleto! É legal ser preto né? Quando se diz que amor no tem cor Essa é a mesma construção social que estende por séculos a minha dor Você pode pensar que casamento seja um assuntos tão banal Não pra mim, quando uma criança preta aprende a se odiar desde o ensino fundamental Porque, que história é essa contada nos livros de história? Escrita por verme tipo o Dória Higienista, marketeiro, oportunista, classista, racista Meu corpo perfurado estampa a capa da sua revista Desculpa de bala perdida, você engrossa a vista E ainda quer que eu seja tipo Martin Luther King Só gostam do preto quando ele é pacifista Você olha minha cara de sonso, pode achar que eu não tô pronto Mas pro senhor de engenho eu era aquele preto que queimava o terreno e formava o Quilombo Já foi corrente nas canela, roupa de trapo e chibata no couro Hoje eu tô de, tênis no pé, roupa de marca, é corrente de ouro Mas isso tudo pra mim é lixo, eu passei na USP uma vez e se eu quiser passo de novo! Com cota ou sem cota Eu aumento minha nota Nivelo por cima dos navios negreiros Que hoje, camburão e rota Ceis não tem permissão pra pisar no meu terreiro E você começa a perceber como a história do preto no Brasil é tétrica De mais de 500 anos, 354 estivemos debaixo de vosso pés E não importa o quanto eu consiga alongar a porra da minha métrica Eu sou a bolsa da velha racista apertada forte no braço feito laço Eu sou o neguinho humilhado descendo o morro porque a polícia revistou e mandou ele ficar descalço Eu sou 5 jovens pretos mortos por 111 tiros disparados Eu sou o homem preto que abusa da preta chupa e joga fora só o bagaço Eu sou a insegurança na entrevista de emprego que ficou horas na chapinha pra tirar o aspecto do cabelo aço Eu sou o desgosto do sogro porque o genro tem cara de macaco Eu sou o fetiche da menina que acha que embaixo da minha calça tem um taco Eu sou o segurança perseguindo, cobrindo os lucros do patrão Eu sou sua visão de arrombado que pensa que todo preto é ladrão Eu sou o dedo que atira, mas sem ter fuzil na mão Minha lírica ácida revida e eu miro direto no coração Eu sou Malcolm X, eu sou Zumbi Vim de África, Cachoeirinha, Limão, Muhammad Ali Aqui, de pé permanecerei, Huey Newton, Mano Brown, Marvin Gaye Minha lista não tem fim Martin Luther King Mas só de pensar em matar já matou, mas mano, quantas vezes eu já ouvi o pastor?

Contato: @santosblacks 

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